Imunidade do ITBI e o RE 796.376: STF decidiu, mas não definiu

Corte abre brecha para que todas municipalidades lancem ITBI sobre diferença entre valor registrado e de mercado

 

“A imunidade em relação ao ITBI, prevista no I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”. Por 7×4, o STF fixou essa tese no RE 796376, em divergência iniciada pelo Ministro Alexandre de Moraes.

Para se entender o que foi decidido pela Suprema Corte, é necessário relatar, ainda que brevemente, a operação societária feita pelo contribuinte, para, ao final, entender a razão pela qual o julgado não resolve a celeuma em definitivo.

 Pois bem.

A contribuinte, impetrante do mandado de segurança, é uma sociedade limitada cujo objeto social consiste em participações societárias. Ou seja, é uma holding.

Por ocasião da sua constituição, integralizou seu capital social mediante bens imóveis (17 ao todo), cujo valor registrado, isso é, constante da declaração de imposto de renda das pessoas físicas sócias da sociedade, perfaz a quantia de R$ 02.724,00.

Ocorre que o capital social não foi fixado em R$ 802.724,00, mas em R$ 24.000,00, sendo que a diferença entre tais valores foi lançada contabilmente como reserva de capital (ágio na subscrição de quotas) no patrimônio líquido. A operação feita dessa forma acarreta uma drástica diminuição tributária.

Se, por exemplo, houvesse a doação das quotas como forma de planejamento sucessório, a base de cálculo sobre a qual incidiria o ITCMD seria de R$ 24.000,00, e não R$ 802.724,00, cerca de trinta e três vezes menor. O município de São João Batista/SC não concordou com tal procedimento e lançou o ITBI sobre a diferença (R$ 778.724,00).

Inconformado, o contribuinte impetrou mandado de segurança, que, em primeiro grau, foi julgado procedente. Todavia, o TJSC reformou a sentença, e foi aí que o problema começou. Isso porque o tribunal catarinense afirmou que a diferença entre o valor do bem e o valor do capital social a ser realizado sofre incidência do ITBI. Esse entendimento foi ratificado pelo STF, mas o julgado padece de uma grave omissão.

É que o art. 142 do Regulamento do Imposto de Renda, repetindo o teor art. 23, § 2º da Lei 9.249/95, afirma, categoricamente, que as pessoas físicas podem integralizar bens no capital social de pessoa jurídica pelo valor registrado (constante na DIRPF) ou pelo valor de mercado. No último caso, haverá incidência de ganho de capital entre o valor registrado e o valor de mercado.

Em função disso, para fugir do ganho de capital, grande parte das integralizações por meio de imóveis se dá pelo valor registrado. Ocorre que em função do julgado proferido pelo TJSC, muitas fazendas municipais começaram a adotar uma prática que, aparentemente, não encontra respaldo legal, muito menos constitucional.

Explica-se: quando o contribuinte faz a integralização do capital social por meio de imóveis, pelo valor registrado, os municípios passaram a lançar o ITBI sobre a diferença entre o valor de mercado, arbitrado pelo próprio muncípio, e o valor registrado.

Ora, a integralização pelo valor constante na declaração de imposto de renda é uma faculdade legal posta à disposição do contribuinte. A atitude dos municípios coloca os contribuintes numa verdadeira “escolha de Sofia”: ou faz pelo valor registrado, e paga ITBI sobre a diferença entre o valor registrado e o valor de mercado, ou faz a integralização por este último e, aí, paga ganho de capital.

Ao que parece, a imunidade tributária foi restringida pelas municipalidades. E o que é mais grave é que, da forma como foi publicada a tese, essa restrição foi chancelada pela Suprema Corte.

No leading case, o contribuinte fez a integralização pelo valor registrado, porém, não destinou esse valor ao capital social, mas apenas uma ínfima parte dele, sendo o restante lançado como ágio na subscrição de quotas. A tributação dessa diferença, aos nossos olhos, foi correta, pois a imunidade destina-se à realização do capital social, e não para reserva de capitais.

Mas, pergunta-se: se o capital social fosse de R$ 802.724,00, poderia o município arbitrar valor de mercado a esses bens e lançar o ITBI sobre a diferença? Entendemos que não. Contudo, o STF não adentrou a essa possibilidade, dizendo, genericamente, que a diferença entre o valor do bem e o capital social a ser realizado é tributável pelo ITBI. Pergunta-se: qual valor do bem? O registrado ou o de mercado? Essa diferença é gritante, e é sobre isso que a Corte Suprema deveria ter se debruçado.

Como já dito, muitas das integralizações de capital social por meio de bens imóveis são feitas pelo valor registrado, pelos motivos já expostos. Ao não deixar claro, na tese fixada, a qual valor de bem ela se refere, o STF abre brecha para que todas as municipalidades se utilizem desse julgado para lançar o ITBI sobre a diferença entre o valor registrado e o de mercado, com fundamento nesse julgado, mesmo que isso não tenha sido dito em momento algum.

Em nosso sentir, o correto entendimento do julgado é que se o capital social se equivaler ao valor dos bens utilizados para integralização, não haverá que se falar em incidência do ITBI, seja o valor dos bens utilizado pelo contribuinte aquele registrado, seja o de mercado.  A diferença é que, se por questões estratégias o contribuinte optar por se utilizar do valor de mercado, incidirá o ganho de capital.

É preciso, então, que a Corte Suprema esclareça a tese fixada, pois, do contrário, iniciar-se-á uma nova batalha dos contribuintes no Judiciário, mas, dessa vez, para ver quem tem a melhor interpretação do RE 796376.

Fonte: Migalhas

18/08/2020

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